05 maio 2014

o meu amigo poeta (XXXVII)

Nascia já o dia quando, no carro de Rita, o meu amigo poeta estranhou o facto de não estar a reconhecer o caminho que percorriam. Parecia-lhe que estavam a afastar-se de sua casa e não a aproximar-se dela. Talvez não lhe tivesse dado as indicações correctas.

Que estranho”, disse o meu amigo poeta, “não estou a reconhecer o caminho. Não estaremos a dar uma volta do caneco?”

Rita não respondeu.

A Rita sabe por onde é que estamos a ir?”

Não é por onde, pá. É para onde.”

Como?”

Não é por onde estamos a ir, é para onde.”

Não estou a perceber.”

Neste ponto, Rita suspirou, exasperada pelas reduzidas capacidades dedutivas do meu pobre amigo poeta.

Estamos a ir para minha casa.”

Para sua casa?”

Desta vez, Rita bufou.

Sim, porra. Claro. E se calhar já era altura de me tratares por tu.”

O meu amigo poeta hesitou.

Não queria abusar”, disse ele.

Rita revirou os olhos. Houve uma pausa na conversa. Com uma manobra brusca, deu uma guinada no volante, fazendo o carro trepar o passeio e estancar. O meu amigo poeta, além de se ter assustado, não estava a perceber nada daquilo. Olhou para ela. Viu-a puxar o travão de mão e inspirar fundo antes de se voltar para ele, muito séria.

Ouve lá, tu não queres foder?”

Silêncio. O meu amigo poeta, cheio de vergonha, pôs-se a limpar os óculos. Tentou pensar em alguma coisa interessante para dizer. Quando falou, tentou fazê-lo com segurança, mas a voz tremia-lhe:

Gosto mais da ideia de fazer amor”, disse ele. “Mas sim, claro que sim. Pode ser.”

Rita deixou escapar uma gargalhada.

Tu és sempre assim?”

Assim, como?”

Que personagem!”


E arrancou tão bruscamente como antes parara, ignorando por completo o olhar de protesto que o meu amigo poeta lhe lançou.

Sem comentários:

Enviar um comentário