Nascia já o dia quando, no carro
de Rita, o meu amigo poeta estranhou o facto de não estar a
reconhecer o caminho que percorriam. Parecia-lhe que estavam a
afastar-se de sua casa e não a aproximar-se dela. Talvez não lhe
tivesse dado as indicações correctas.
“Que estranho”, disse o meu
amigo poeta, “não estou a reconhecer o caminho. Não estaremos a
dar uma volta do caneco?”
Rita não respondeu.
“A Rita sabe por onde é que
estamos a ir?”
“Não é por onde, pá. É para
onde.”
“Como?”
“Não é por onde estamos a ir,
é para onde.”
“Não estou a perceber.”
Neste ponto, Rita suspirou,
exasperada pelas reduzidas capacidades dedutivas do meu pobre amigo
poeta.
“Estamos a ir para minha casa.”
“Para sua casa?”
Desta vez, Rita bufou.
“Sim, porra. Claro. E se calhar
já era altura de me tratares por tu.”
O meu amigo poeta hesitou.
“Não queria abusar”, disse
ele.
Rita revirou os olhos. Houve uma
pausa na conversa. Com uma manobra brusca, deu uma guinada no
volante, fazendo o carro trepar o passeio e estancar. O meu amigo
poeta, além de se ter assustado, não estava a perceber nada
daquilo. Olhou para ela. Viu-a puxar o travão de mão e inspirar
fundo antes de se voltar para ele, muito séria.
“Ouve lá, tu não queres
foder?”
Silêncio. O meu amigo poeta,
cheio de vergonha, pôs-se a limpar os óculos. Tentou pensar em
alguma coisa interessante para dizer. Quando falou, tentou fazê-lo
com segurança, mas a voz tremia-lhe:
“Gosto mais da ideia de fazer
amor”, disse ele. “Mas sim, claro que sim. Pode ser.”
Rita deixou escapar uma
gargalhada.
“Tu és sempre assim?”
“Assim, como?”
“Que personagem!”
E arrancou tão
bruscamente como antes parara, ignorando por completo o olhar de
protesto que o meu amigo poeta lhe lançou.
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