Quando o meu amigo poeta acordou,
estranhou primeiro o cheiro a tabaco. Doía-lhe a cabeça, o que não
era de estranhar. Estava deitado, sozinho numa cama de casal cujos
lençóis estavam completamente revolvidos. O quarto ostentava as
marcas de uma ocupação recente. Havia duas malas de viagem ainda
por abrir, a mobília reduzia-se ao essencial e não existia ali
decoração alguma.
Rita, de roupão, estava sentada
em frente à mesa vazia a terminar o café enquanto fumava um
cigarro. O meu amigo poeta viu-a. Depois levantou o lençol. Estava
nu. Pedaços da noite anterior vieram-lhe à cabeça e lá acabou por
perceber porque é que estava ali.
Levantou-se com muito cuidado e
avançou na direcção dela, muito devagarinho, nos bicos dos pés.
Beijou-a na parte de trás do pescoço, ao de leve. Ela assustou-se.
Com um pulo, voltou-se para trás, de boca aberta.
Depois, falaram os dois ao mesmo
tempo:
“Bom dia”, disse o meu amigo
poeta, armado em don Juan, em tom muito suave.
“Estás parvo?”, gritou ela,
enfurecida.
Olharam-se por um momento, cada
qual pasmado com a reacção do outro. Rita foi a primeira a
recompor-se.
“Pisga-te”, disse ela, “tenho
montes de coisas para fazer.”
O meu amigo poeta ficou
indignado.
“Desculpe?...”, protestou
ele.
“Que é que foi? Ontem à noite
foi ontem à noite. Já passou. Hoje é outro dia.
Não sou grande apreciadora de
beijinhos no dia seguinte.”
O meu amigo poeta não sabia o
que dizer. Estava nu, de pé, em frente a ela, e não se lembrava
completamente do desfecho da noite anterior. Sentia-se desorientado,
desarmado. Rita, satisfeita com o efeito das suas palavras, deu uma
passa no cigarro.
“A porta é ali”, disse ela,
de braço estendido.
O meu amigo poeta ouviu aquilo e
rosnou, mas não disse nada. Apanhou a sua roupa do chão, sentou-se
no lado da cama e começou a vestir-se.
Estava já a abotoar a camisa,
que estava toda manchada, quando se voltou para ela. Falou-lhe num
tom frio:
“O mínimo que se faz depois de
fazer amor com alguém é oferecer-lhe um café pela manhã.”
Rita riu-se.
“Não quando essa pessoa
adormece em cima de ti”, respondeu ela. E acrescentou, marcando bem
as palavras: “Não depois de fazer amor, mas durante.”
O meu amigo poeta pensou durante
um instante antes de responder:
“Se calhar, estava aborrecido.”
Rita bufou. O rosto começava a
corar de raiva. A respiração tornava-se pesada.
“Se calhar, estavas bêbado.”
O meu amigo poeta desistiu da
discussão. Vestiu-se e, com um passe bem dos mais azedos, abriu a
porta e foi-se embora. Ligou-me para passar no café e, à tarde,
contou-me o que se tinha passado. Apesar de tudo, o seu orgulho de
macho estava em grande.
“Já viste isto?”, disse ele,
sorridente, “adormeci em cima dela!”
E ria-se que nem um perdido.
Falou daquilo durante montes de tempo. Começava a tornar-se difícil
aturá-lo. Depois, chegou o Mendonça e contou-nos que se tinha
deitado com a outra. Descreveu tudo com um grau de detalhe que me
pareceu um pouco escusado, exaltando sempre que podia os seus dotes
na arte do amor físico.
Pelo menos, o meu
amigo poeta calou-se.
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