Na semana seguinte, o meu amigo
poeta volta a encontrar Rita, novamente por intermédio de Mendonça
e de Ramalho. Eu também estou presente. Falam um com o outro sem
grande entusiasmo. Evitam responder um ao outro. Quando se olham,
fazem-no com expressões de indiferença.
Há um momento em que o meu amigo
poeta faz uma piada qualquer. Rita é a única que se ri. As coisas
evoluem novamente. Passam a falar mais. Tornam-se mais calorosos um
com o outro. Percebem que se entendem. Distraem-se naquilo e acabam
por beber outra vez mais do que os restantes convivas, que estranham
tudo aquilo, mas não interferem. Contudo, não bebem tanto como da
outra vez.
No fim da noite, o meu amigo
poeta disponibiliza-se para a acompanhar a casa, apesar de esta ficar
na outra ponta da cidade. Rita hesita, mas aceita a proposta. Quando
chegam, convida-o a subir, mas explica-se logo:
“É só para tomar um café”,
diz ela. “Ia-me saber bem a companhia.”
“Parece-me bem”, responde o
meu amigo poeta.
Sobem as escadas. Tomam café.
Conversam sobre a falta que faz a decoração. O meu amigo poeta diz
que, apesar de estar há anos na mesma casa, a dele não está muito
melhor. Ela acha isso curioso. E a ele também, também o acha
curioso. Ele pergunta porquê. Ela responde que ele é um homem
interessante. Ele não sabe o que há-de dizer, por isso mantém-se
calado. Mais vale não estragar agora tudo com comentários
disparatados, pensa ele, é melhor assim, parecer interessante. Ela
diz que gostava de um dia ver a casa dele. Ele pergunta porquê.
Curiosidade, responde ela. Tem um sorriso matreiro, sabe que lhe fica
bem. O meu amigo poeta diz que teria todo o gosto, ela dá uma
gargalhadinha muito seca e curta, ainda mais matreira. Ele insiste,
diz que está a falar a sério, que ela pode ir lá no dia seguinte.
Ela diz que não é má ideia. Ele diz que no dia seguinte nem tem
muito que fazer. Ela repete que não é má ideia, diz que fica
combinado. Neste ponto, o meu amigo poeta arrisca. Diz que se calhar
nem valia a pena pôr-se a caminho. Porque não dormir ali? Assim, de
manhã poderiam ir os dois. Ela faz uma pausa que o assusta. O meu
amigo poeta dá uma gargalhada, tentando dar a ideia de que não
estava a falar a sério. Corre-lhe bem, porque ela acha piada.
“Não é má ideia”, diz ela
pela terceira vez.
O meu amigo poeta passa a noite
com Rita. Fazem amor duas vezes. Nada de excepcionalmente bom, nada
de excepcionalmente decepcionante. Desta vez, ninguém adormece em
cima de ninguém durante o acto. No dia seguinte, o meu amigo poeta é
o primeiro a acordar. Olha para ela. Gosta do que vê. Chega mesmo a
sentir alguma emoção. Talvez carinho seja uma palavra exagerada.
Mas sente alguma coisa. Decide arriscar. Levanta-se, veste-se e vai
embora antes de ela acordar.
Mais tarde durante essa semana, o
telefone do meu amigo poeta toca. Rita está do lado de lá.
Convida-o para jantar. Quer conhecer melhor a cidade, ele podia
escolher um sítio. O meu amigo poeta tenta não soar demasiado
interessado na proposta, mas aceita, claro. Quando pousa o telefone,
está todo contente.
O jantar corre bem. Conhecem-se
melhor. O meu amigo poeta leva-a a casa, mostra-lhe poemas porque ela
lhe pede. Ela lê, enquanto o meu amigo poeta se sente exposto. Ela
diz que não desgosta. São bonitos, gosta das palavras, acha que têm
força. No entanto, alguns não fazem muito sentido para ela.
Conversam até tarde, sobre os poemas e sobre outras coisas. Dormem
juntos outra vez, depois de fazerem amor uma vez. Desta vez, olham-se
melhor. Entrelaçam-se no fim, deixam-se ficar assim até caírem no
sono. De manhã conversam um pouco enquanto tomam café e comem
torradas, depois de o meu amigo poeta se desculpar por não ter
grande coisa para comer em casa. Quando se despedem, ela abraça-o. O
meu amigo poeta sente-se desarmado. Durante os dias que se seguem, só
fala naquilo. Escreve alguns dos poemas mais melosos da sua vida
durante esse período.
Durante o mês seguinte, vêem-se
mais vezes, cada vez com maior frequência. A dada altura,
apercebem-se de que dormem juntos mais vezes do que sozinhos. Rita
passa três dias em casa do meu amigo poeta, que liga para o trabalho
a fingir que está doente. Ele percebe que gosta de a ter por perto,
que conseguem partilhar o mesmo espaço sem se atrapalharem um ao
outro. Pensa que ela pensa o mesmo. Diz-lhe que podia pegar nas
coisas e mudar-se para lá. Rita pensa um pouco. Hesita. Discutem o
assunto muito civilizadamente. Acabam por chegar a um acordo: de
manhã, trarão as coisas e juntos tratarão de fazer algumas das
alterações que ela lhe propôs ao apartamento.
No dia seguinte, o meu amigo
poeta acorda e volta-se para o lado, ainda sem abrir os olhos, à
procura dela. Já se habituou a tê-la por perto. O problema é que
não está ali ninguém. Nem Rita, nem sombra de Rita.
Os três meses seguintes não
serão fáceis para o meu amigo poeta.
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