13 maio 2014

o meu amigo poeta (XXXIX)

Na semana seguinte, o meu amigo poeta volta a encontrar Rita, novamente por intermédio de Mendonça e de Ramalho. Eu também estou presente. Falam um com o outro sem grande entusiasmo. Evitam responder um ao outro. Quando se olham, fazem-no com expressões de indiferença.

Há um momento em que o meu amigo poeta faz uma piada qualquer. Rita é a única que se ri. As coisas evoluem novamente. Passam a falar mais. Tornam-se mais calorosos um com o outro. Percebem que se entendem. Distraem-se naquilo e acabam por beber outra vez mais do que os restantes convivas, que estranham tudo aquilo, mas não interferem. Contudo, não bebem tanto como da outra vez.

No fim da noite, o meu amigo poeta disponibiliza-se para a acompanhar a casa, apesar de esta ficar na outra ponta da cidade. Rita hesita, mas aceita a proposta. Quando chegam, convida-o a subir, mas explica-se logo:

É só para tomar um café”, diz ela. “Ia-me saber bem a companhia.”

Parece-me bem”, responde o meu amigo poeta.

Sobem as escadas. Tomam café. Conversam sobre a falta que faz a decoração. O meu amigo poeta diz que, apesar de estar há anos na mesma casa, a dele não está muito melhor. Ela acha isso curioso. E a ele também, também o acha curioso. Ele pergunta porquê. Ela responde que ele é um homem interessante. Ele não sabe o que há-de dizer, por isso mantém-se calado. Mais vale não estragar agora tudo com comentários disparatados, pensa ele, é melhor assim, parecer interessante. Ela diz que gostava de um dia ver a casa dele. Ele pergunta porquê. Curiosidade, responde ela. Tem um sorriso matreiro, sabe que lhe fica bem. O meu amigo poeta diz que teria todo o gosto, ela dá uma gargalhadinha muito seca e curta, ainda mais matreira. Ele insiste, diz que está a falar a sério, que ela pode ir lá no dia seguinte. Ela diz que não é má ideia. Ele diz que no dia seguinte nem tem muito que fazer. Ela repete que não é má ideia, diz que fica combinado. Neste ponto, o meu amigo poeta arrisca. Diz que se calhar nem valia a pena pôr-se a caminho. Porque não dormir ali? Assim, de manhã poderiam ir os dois. Ela faz uma pausa que o assusta. O meu amigo poeta dá uma gargalhada, tentando dar a ideia de que não estava a falar a sério. Corre-lhe bem, porque ela acha piada.

Não é má ideia”, diz ela pela terceira vez.

O meu amigo poeta passa a noite com Rita. Fazem amor duas vezes. Nada de excepcionalmente bom, nada de excepcionalmente decepcionante. Desta vez, ninguém adormece em cima de ninguém durante o acto. No dia seguinte, o meu amigo poeta é o primeiro a acordar. Olha para ela. Gosta do que vê. Chega mesmo a sentir alguma emoção. Talvez carinho seja uma palavra exagerada. Mas sente alguma coisa. Decide arriscar. Levanta-se, veste-se e vai embora antes de ela acordar.

Mais tarde durante essa semana, o telefone do meu amigo poeta toca. Rita está do lado de lá. Convida-o para jantar. Quer conhecer melhor a cidade, ele podia escolher um sítio. O meu amigo poeta tenta não soar demasiado interessado na proposta, mas aceita, claro. Quando pousa o telefone, está todo contente.

O jantar corre bem. Conhecem-se melhor. O meu amigo poeta leva-a a casa, mostra-lhe poemas porque ela lhe pede. Ela lê, enquanto o meu amigo poeta se sente exposto. Ela diz que não desgosta. São bonitos, gosta das palavras, acha que têm força. No entanto, alguns não fazem muito sentido para ela. Conversam até tarde, sobre os poemas e sobre outras coisas. Dormem juntos outra vez, depois de fazerem amor uma vez. Desta vez, olham-se melhor. Entrelaçam-se no fim, deixam-se ficar assim até caírem no sono. De manhã conversam um pouco enquanto tomam café e comem torradas, depois de o meu amigo poeta se desculpar por não ter grande coisa para comer em casa. Quando se despedem, ela abraça-o. O meu amigo poeta sente-se desarmado. Durante os dias que se seguem, só fala naquilo. Escreve alguns dos poemas mais melosos da sua vida durante esse período.

Durante o mês seguinte, vêem-se mais vezes, cada vez com maior frequência. A dada altura, apercebem-se de que dormem juntos mais vezes do que sozinhos. Rita passa três dias em casa do meu amigo poeta, que liga para o trabalho a fingir que está doente. Ele percebe que gosta de a ter por perto, que conseguem partilhar o mesmo espaço sem se atrapalharem um ao outro. Pensa que ela pensa o mesmo. Diz-lhe que podia pegar nas coisas e mudar-se para lá. Rita pensa um pouco. Hesita. Discutem o assunto muito civilizadamente. Acabam por chegar a um acordo: de manhã, trarão as coisas e juntos tratarão de fazer algumas das alterações que ela lhe propôs ao apartamento.

No dia seguinte, o meu amigo poeta acorda e volta-se para o lado, ainda sem abrir os olhos, à procura dela. Já se habituou a tê-la por perto. O problema é que não está ali ninguém. Nem Rita, nem sombra de Rita.


Os três meses seguintes não serão fáceis para o meu amigo poeta.

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