Aceitei o convite do
meu amigo poeta, claro.
Falámos pouco
durante o jantar. No fim da refeição, deslocámo-nos até à
varanda, cada um com a sua caneca de café e um copo na mão, para
que eu pudesse fumar à vontade. Acendi um cigarro, enquanto o meu
amigo poeta abria uma garrafa de uísque e começava a tratar de
encher os copos.
Observei-o pelo
canto do olho. Era difícil habituar-me à ideia de que era mesmo
ele. O cabelo já longo, oleoso e desmazelado, a barba de dimensão
épica, onde era possível encontrar pedaços de lixo. Estava mais
magro, os movimentos eram mais pesados. Tudo nele era de uma lentidão
muito contida, desanimada.
“Por esta é que
eu não esperava”, disse eu, assim que ele me encheu o copo.
“Então?”
“O meu amigo poeta
de coração partido...”
O meu amigo poeta
não respondeu. Quando falou, fê-lo de um modo muito sério.
“Não estou assim
tão mal.”
“Nota-se.”
“Oh. Tangas.”
“Quase que
deixaste os bifes cozerem!”
“E isso prova
alguma coisa?”
“E a tua figura?
Tens-te visto ao espelho? Tens-te pesado?”
“E se te
calasses?”
“Pronto. Se queres
mudar de assunto, mudamos de assunto.”
Em vez de mudarmos
de assunto, gerou-se um silêncio incómodo. Coisa que, curiosamente,
costuma suceder quando duas pessoas tentam forçar-se a mudar de
assunto. Ou mesmo forçar-se a fazer qualquer coisa, qualquer que
seja a sua natureza. Esse tal silêncio foi longo. Por fim, o meu
amigo poeta suspirou. Olhou para o céu antes de falar.
“Foda-se. O
problema é que não percebo nada desta merda.”
Voltei-me para ele,
expectante.
“Ela vinha morar
para cá”, prosseguiu o meu amigo poeta, “já estava tudo
combinado. Ia mudar um monte de coisas de sítio e tudo. E depois,
puf. Desaparece. Assim, sem mais nem menos. Desaparece.”
Houve outra pausa.
“Bem. Já ouvi
dizer que os poetas são maus amantes. Pelos vistos, é verdade”,
disse eu.
O meu amigo poeta
devolveu-me um olhar irado. O rosto enruberesceu. O tom de voz era
crispado.
“O que é queres
dizer com isso, caralho?”
Larguei a rir às
gargalhadas.
Ele manteve-se sério
durante mais uns momentos. Por fim, acabou por rir-se também. Era a
primeira vez naquela noite. Provavelmente, era a primeira vez que se
ria nos últimos meses.
“Raios te partam,
pá. Se não fosses meu amigo, era gajo para te partir a cara.”
“Pois, pois. Bem
que podias tentar.”
O meu amigo poeta
riu-se outra vez, agora de forma mais contida. O seu olhar era já
mais vivo. Um sorriso ténue instalou-se-lhe na fronte.
“Obrigado, pá.
Estava a precisar disto.”
Ergueu o copo na
minha direcção. Ergui também o meu.
“À tua!”
“À nossa!”
Depois, a noite
tornou-se uma noite normal. Gastámos aquelas horas
despreocupadamente. Conversámos sobre banalidades, conversámos
sobre assuntos sérios, conversámos sobre os homens e sobre as
mulheres, sobre amigos e amantes.
E esvaziámos aquela
garrafa, eu e o meu amigo poeta.
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