O meu amigo poeta estava atrasado. Como já
estava mais do que habituado aos seus atrasos, pedi um fino mal me sentei no
restaurante. Bebi-o, enquanto observava o sítio. Estranho. O meu amigo poeta,
com quem me habituei a partilhar refeições nos tascos mais reles, a convidar-me
para um estabelecimento de aspecto caro. Mesa reservada, empregados de
laçarote, muito direitos, em uniformes imaculados, com coletes em vermelho
vivo, castiçais de aspecto dispendioso, mobília antiga em madeira escura,
candeeiros elaborados. Iluminação impecável, muito agradável, gente de posses a
comer a sua refeição. E eu ali no meio. O único a beber um fino.
Quando o fino acabou, acabei por pedir um
porto seco. Não porque me apetecesse, mas porque pensei que aquela gente podia
estranhar um gajo como eu ali sentado a beber finos em silêncio, sozinho numa
mesa.
Estava eu a meio do meu porto seco quando uma
rapariga entre os vinte e cinco e os trinta parou à frente da mesa a olhar para
mim. Corpo elegante, a tender para o magro, dentro de um vestido castanho de
tecido fino. Rosto bem desenhado, olhos rasgados por detrás dos óculos, pele
morena. Trazia o cabelo apanhado numa espécie de novelo atrás da nuca, que
deixava ver um pescoço longo, ombros arredondados. Sorriu um sorriso seco,
inclinou-se e perguntou-me se era eu o amigo do pai dela. Respondi que sim, ela
pediu-me desculpa pelo atraso e sentou-se imediatamente.
Só quando ela pediu um café e um porto ao
empregado, os dois em conjunto e ainda antes de ter jantado, é que acreditei
mesmo que estava perante a filha do meu amigo poeta. Pelos vistos, o hábito de
abusar da ingestão de cafeína corria-lhes no sangue. E o hábito de a acompanhar
com vinho do porto também. Reparei ainda nalgumas semelhanças entre pai e
filha. Os gestos dela, ao limpar os óculos, eram exactamente iguais aos do meu
amigo poeta. E os olhos. E algumas expressões faciais. Sim, as semelhanças
estavam lá.
Seguiram-se alguns momentos algo
desconfortáveis, se não mesmo humilhantes para a minha pessoa. Tentei meter
conversa várias vezes, mas a rapariga respondia-me sempre ou com monossílabos,
ou com onomatopeias, ou, pior ainda, com um sarcasmo dos mais ácidos de que já
fui alvo.
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