Uma bela tarde, estava eu a fazer companhia ao
meu amigo poeta no café, quando ele me perguntou:
“Amanhã queres ir jantar comigo e com a minha
filha?”
Franzi o sobrolho.
“Tu tens uma filha?”
“Julgavas-me impotente?”
Fiquei estupefacto com aquilo. Positivamente
atónito. Catatónico. Conhecia o gajo há mais de duas décadas e ele nunca antes
mencionara sequer que tinha descendência. De modo que, quando recuperei a
faculdade da fala, só consegui insistir:
“Tu tens uma filha?”
“Tenho”, respondeu ele, encolhendo os ombros,
a olhar na minha direcção com uma expressão de indiferença. Agia como se não se
tivesse passado nada. “Queres vir ou não?” perguntou ele a seguir.
Não consegui responder-lhe. Levantei-me e
comecei a caminhar em direcção à saída. Ainda o ouvi aos berros, a perguntar o
que é que tinha sido, se eu me estava a passar, se então eu me punha a andar
dali assim, mas nem me voltei para trás. Estava fodido, voltei para casa.
À noite, o telefone tocou. Era o meu amigo
poeta.
“Então? Conto contigo amanhã?”
Fiquei calado durante uns segundos. Acabei por
aceitar o convite. O que era de estranhar era o facto de eu me ter surpreendido
com a novidade. O meu amigo poeta não era muito de partilhar pormenores da sua
vida sentimental.
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