Passava já mais de uma hora da hora combinada
quando o meu amigo poeta fez, finalmente, a sua aparição no restaurante.
Estava mais nervoso do que era habitual. Não
conseguia manter o contacto ocular, o andar parecia vacilar um pouco e a
respiração estava um pouco mais acelerada. Aproximou-se com uma expressão
genuinamente aflita, cumprimentou-me primeiro e, depois, cumprimentou a filha
com dois beijos, muito corado, enquanto se desfazia em desculpas.
“Estou desolado, a sério. Desolado”, dizia num
ritmo aceleradíssimo o meu amigo poeta, gesticulando vigorosamente, “hoje foi
mesmo um daqueles dias em que uma pessoa não consegue fazer nada à primeira,
andei o tempo todo desorientado, peço desculpa… Primeiro não encontrava o raio
das calças, depois distraí-me a escolher o casaco, enganei-me duas vezes no
caminho… Enfim, uma tortura. Estou desolado.”
“Pois”, respondeu a filha num tom seco, “o que
é mais curioso é que no ano passado se passou exactamente a mesma coisa.”
“Tens razão. Coisas que acontecem, enfim… Não
sei que mais te diga…”
Eu sentia-me mesmo desconfortável metido
naquela cena. A filha do meu amigo poeta estava fula, o meu amigo poeta
continuava a pedir desculpas, ela ficava ainda mais fula, ele pedia mais
desculpas… Enfim, espero que consigam perceber a coisa. De modo que decidi
atalhar e sugeri que escolhêssemos a comida.
“Pode ser”, respondeu a filha do meu amigo
poeta.
O meu amigo poeta suspirou de alívio e lá
mandámos vir, finalmente, a comida.
O resto do jantar decorreu mais ou menos no
mesmo registo. Um espectáculo deplorável. O meu amigo poeta sempre aflito com
as bocas da filha, a filha do amigo poeta sempre com pouquíssima paciência para
o que quer que o pai dissesse, e eu ali no meio, sem perceber muito bem que comportamento
adoptar perante o estranho convívio em que me via envolvido. Tornou-se muito
rapidamente nítido o motivo que levara o meu amigo poeta a convidar-me para
participar naquele santo repasto: usava-me para elogiar a filha sempre que se
lembrava de alguma coisa que pudesse servir de elogio. Um exemplo:
“Sabes que a Joana tem um talento
inacreditável para a fotografia? Tens de ver um dia as fotografias que ela
tira. São espectaculares...”
O problema maior tinha que ver com o facto de
o meu amigo poeta não ser propriamente um perito no que toca a dar graxa a
alguém. Pelo contrário, posso afirmar que era daquelas coisas em que ele se
espalhava ao comprido, tal era a sua inaptidão para o exercício.
Fiquei a saber que a filha dele era
jornalista, casada, que tinha uma filha que o meu amigo poeta quase nunca vira.
Morava numa pequena cidade a oitenta e poucos quilómetros de distância. Viajava
muitas vezes, mas quase sempre em trabalho, e via muito poucas vezes o pai.
Estranho era o facto de não conhecer a mãe dela. Fazendo as contas, não era
difícil verificar que já era amigo do poeta na altura em que ela fora
concebida.
A rapariga despachou o jantar o mais que pôde.
Comeu depressa e ainda eu ia a meio do meu digestivo quando ela propôs que
fôssemos andando. O caminho de regresso era longo e tinha um dia muito ocupado
no dia seguinte. O meu amigo poeta ainda tentou fazê-la ficar mais um pouco,
mas sem sucesso. Estava mais que visto: para ela, aquilo era uma visita de
cortesia, uma obrigação a cumprir e nada mais do que isso.
Assim, acabámos por pedir a conta cerca de uma
hora e meia depois de o meu amigo poeta ter chegado. Este encarregou-se da
despesa e encaminhámo-nos para o parque de estacionamento, onde me despedi
dela. Ficou combinado que eu esperaria o meu amigo poeta no meu carro, para
depois o deixar em casa. Foi o que fiz.
Entrei no carro e esperei por ele.
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