24 setembro 2012

o meu amigo poeta (XXI)



O meu amigo poeta não se safava muito bem com as mulheres. Dizia que não tinha o dom de perceber os convites do sexo oposto.

“Essa coisa de trocar olhares e mostrar o ombro e mexer nos cabelos não é mesmo para mim. Só me deixam mais confuso”, disse ele certa noite a uma mulher. “Lembro-me de uma ocasião em que uma gaja me perguntou, depois de uma longa conversa, se eu não quereria por acaso passar por casa dela. E eu respondi que não, que tinha outras coisas para fazer. Não queria ver a casa dela nem pelo caralho! Só depois é que me explicaram o que ela queria.”

A mulher tinha longos cabelos negros, olhar feroz, pernas longas. Uma silhueta que parecia ter sido desenhada por encomenda. Lábios carnudos. Voz suave. E era expressiva, com uma pose de desafio que não se destinava a afastar. Mais importante ainda, estava decidida a levar o meu amigo poeta para a cama, até o ter ouvido pronunciar-se sobre aquele assunto.

O meu amigo relatou-me o final do episódio, num momento em que nos encontrávamos a sós, a salvo da atenção e comentários alheios. Contou-me que, mal acabou de ouvir aquilo, a mulher se levantou e encolheu os ombros. Disse-lhe que tinha muita pena, mas não tinha tempo para aquelas merdas.

“Fiquei desolado outra vez. De rastos. Pensava mesmo que ela queria dar uma pinadela, man”, concluiu o meu amigo poeta. “Pelos vistos, estava enganado”, concluiu ele, pensativo.

Ficámos em silêncio durante um momento. O meu amigo poeta continuava, certamente, a tentar entender o que se tinha passado, como era possível que as coisas acabassem por ter quase sempre um desfecho assim. Eu, por outro lado, tentava encontrar uma maneira de o iluminar um pouco acerca da matéria de que nos ocupávamos.

Olhei para ele. Aquilo dava dó: uma das criaturas mais inteligentes que já conheci, tão transtornada por um problema tão prosaico.

“Deixa lá”, disse eu. “Pode acontecer a qualquer um.”

O meu amigo poeta era um caso perdido.

Sem comentários:

Enviar um comentário