O meu amigo poeta não se safava muito bem com
as mulheres. Dizia que não tinha o dom de perceber os convites do sexo oposto.
“Essa coisa de trocar olhares e mostrar o
ombro e mexer nos cabelos não é mesmo para mim. Só me deixam mais confuso”,
disse ele certa noite a uma mulher. “Lembro-me de uma ocasião em que uma gaja
me perguntou, depois de uma longa conversa, se eu não quereria por acaso passar
por casa dela. E eu respondi que não, que tinha outras coisas para fazer. Não
queria ver a casa dela nem pelo caralho! Só depois é que me explicaram o que
ela queria.”
A mulher tinha longos cabelos negros, olhar
feroz, pernas longas. Uma silhueta que parecia ter sido desenhada por
encomenda. Lábios carnudos. Voz suave. E era expressiva, com uma pose de
desafio que não se destinava a afastar. Mais importante ainda, estava decidida
a levar o meu amigo poeta para a cama, até o ter ouvido pronunciar-se sobre
aquele assunto.
O meu amigo relatou-me o final do episódio,
num momento em que nos encontrávamos a sós, a salvo da atenção e comentários
alheios. Contou-me que, mal acabou de ouvir aquilo, a mulher se levantou e
encolheu os ombros. Disse-lhe que tinha muita pena, mas não tinha tempo para
aquelas merdas.
“Fiquei desolado outra vez. De rastos. Pensava
mesmo que ela queria dar uma pinadela, man”, concluiu o meu amigo poeta. “Pelos
vistos, estava enganado”, concluiu ele, pensativo.
Ficámos em silêncio durante um momento. O meu
amigo poeta continuava, certamente, a tentar entender o que se tinha passado,
como era possível que as coisas acabassem por ter quase sempre um desfecho
assim. Eu, por outro lado, tentava encontrar uma maneira de o iluminar um pouco
acerca da matéria de que nos ocupávamos.
Olhei para ele. Aquilo dava dó: uma das
criaturas mais inteligentes que já conheci, tão transtornada por um problema tão
prosaico.
“Deixa lá”, disse eu. “Pode acontecer a
qualquer um.”
O meu amigo poeta era um caso perdido.
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