A certa altura, o meu amigo poeta andou,
durante uns tempos, mais calado e fugidio.
Passava mais tempo em casa e, nas poucas
ocasiões em que comparecia nas nossas reuniões de café, ficava mais calado do
que era normal.
Um dia explicou-se: tinha tido uma ideia para
uma peça de teatro.
“É sobre uma mulher que se apaixona
perdidamente por um homem. São ambos jovens e aquilo que a mulher ama naquele
homem são duas coisas. A mulher, claro, não tem consciência disso. Ama nele a
rebeldia, a irreverência, uma certa violência em termos de temperamento. Mas
aquilo que ama ainda mais é a ideia de ser capaz de o mudar, de o acalmar, de o
tornar mais dócil. Acabam por juntar-se, apesar de ele, inicialmente, resistir
um pouco. Com o passar do tempo, sem que se aperceba disso, ela começa a tentar
mudá-lo. Quer uma vida estável, segurança, um futuro. O processo, claro, é
violentíssimo. Ele resiste com todas as forças. É precisamente nesse choque que
reside o conflito central da coisa, que se alastrará aos pormenores mais
insignificantes do quotidiano do casal. Lavar a louça, decidir que quadro
colocar numa parede, todas as coisas, por mais minúsculas, serviram de pretexto
para que esse conflito venha à tona.”
“Parece interessante”, comentou alguém.
“Nem por isso”, respondeu o meu amigo poeta.
“A parte interessante é o desenlace e não a batalha. No fim da peça, ela
deixa-o. Precisamente porque o conseguiu mudar. Já não consegue sentir nada
senão desprezo por aquela espécie de marido amestrado. Troca-o por outro gajo.
Um gajo novo. Um rebelde.”
Durante semanas, o meu amigo poeta só falou
daquilo. Andava obcecado. Segundo o que nos contava, o a produção da coisa
progredia num ritmo avassalador. Até ele estava incrédulo com a velocidade com
que a sua caneta enchia páginas e páginas de diálogos.
Depois, progressivamente, começou a falar
menos da peça. Começámos a estranhar. Houve alguém que, finalmente, lhe
perguntou como andava a peça de teatro, apesar de não estar verdadeiramente
interessado naquilo. O meu amigo poeta franziu o nariz, olhou para o lado e
respondeu:
“Voltei aos poemas.”
Sem comentários:
Enviar um comentário