20 setembro 2012

o meu amigo poeta (XIX)



O meu amigo poeta tem por hábito contar histórias de casa de banho. Não quero com isto dizer que sejam histórias semelhantes às inscrições gravadas nas portas dos mais requintados W.C.´s. São mais uma espécie de relato daquilo a que o meu amigo assiste quando se torna imperativo mudar a água das azeitonas entre duas cervejas. Curiosamente, costuma também levá-las lá para dentro. É desconfiado e conhece bem a corja de beberrões que o acompanha nas suas saídas nocturnas. Sabe que o copo estaria vazio se não tomasse precauções. Mas, enfim, aquilo que caracteriza estes relatos é o grau de detalhe que o meu amigo poeta consegue inculcar-lhes.

Um exemplo funcionará talvez melhor para ilustrar o caso. Recuemos ao dia em que o ouvi proferir a seguinte descrição, numa mesa de sete onde eu mesmo me incluía também, a meio da refeição. Lembro-me perfeitamente de que comíamos uma feijoada em que os chispes e orelhas de porco abundavam.

“Estava meio bêbedo”, começou o meu amigo poeta, “e fui à casinha, como qualquer pessoa faria. Mas, pelos vistos, escolhi mal o urinol. Estava ocupado a tentar acertar no ralo daquela belíssima peça de louça, como certamente imaginais, quando outro tipo entra, afligido da mesma necessidade fisiológica que me levara ali. E gerou-se logo ali, como por vezes acontece, um certo clima de tensão, não sei se estão a ver. Enfim, vicissitudes da condição de macho. Eu dei um jeitinho para ele passar, mas naquele bar, por causa de a porta estar apontada de lado para o urinol, não há forma de o cliente seguinte ocupar o seu lugar sem que esse jeitinho seja maior do que num W.C. comum. Por outras palavras, tive de lhe mostrar o mangalho, porque não havia outra maneira. Fiquei ali, com a pila na mão bem à mostra, enquanto o gajo me contornava para ocupar o seu posto. O gajo olhou para mim meio escandalizado e eu olhei para ele como se quisesse pedir desculpa. E ele lá começou a fazer o serviço, que já tinha adiado mais do que convém. No urinol ao lado do meu, que naquela casa-de-banho só há dois. E quando o gajo põe a dele de fora, não consegui evitar e olhei para a dele também. Opá, coisa que acontece por instinto, não é? Depois veio o choque. Eu juro aqui a pés juntos que o gajo tinha a gaitinha mais pequena e, ao mesmo tempo, mais feia que eu alguma vez vi. Era terrível. Minúscula e toda enrugada, de tal forma que parecia que só se via o escroto do gajo e o tudo de enormes cabelos que a rodeava. Com licença.”

Nisto, o meu amigo poeta parou para comer um pouco da sua feijoada, que começava já a arrefecer. Já éramos só quatro à mesa. Não deve ter reparado, pois continuou a sua narrativa com o mesmo entusiasmo:

“Bem, o gajo percebeu que eu vi aquela coisa que quase parecia o centro de uma flor no meio de tanto pêlo, e pôs-se logo todo nervoso, vermelho que nem um tomate e a tremer todo. Parecia um depressivo à beira da explosão. De tal forma que o fluxo do mijo parou. Só saíram mais umas pinguinhas, apesar de o tipo ainda agora ter começado. O gajo sacudiu aquilo. Nem percebo como é que ele fez a coisa, mas imagino que deva ter sujado as mãos todas de mijo, porque não há maneira, não é? Um gajo tem de ter espaço de manobra para não entrar em contacto com a urina, pá! E o tipo ali a abanar a cabecita, porque aquilo era só cabecita, só pode ter ficado mesmo todo borrado nas mãos. Borrado, que é como diz o outro, é só para facilitar, ele ficou foi mijado nas mãos como se tivesse apontado aquela gaita feia para elas enquanto estava a deitar as pinguinhas, ou o caneco!”

O meu amigo poeta parou para meter nova garfada à boca. E concluiu:

“Quando cheguei a casa, tive de escrever sobre aquilo. Era superior a mim. Não havia nada de pilas feias, nem W.C. porco, nem cheiros de fezes e urina. Escrevi sobre a humilhação do homem pelo homem e não sobre outra coisa qualquer, percebem?...”

Olhou finalmente ao seu redor. Quase só viu cadeiras vazias. Eu era o único que continuava ali.

“Pronto, era só isso que eu queria contar”, concluiu, cabisbaixo, o meu amigo poeta.

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