O que o meu amigo poeta queria mesmo era ter
sido pintor.
Não é que desgostasse de palavras. Bem pelo
contrário, adorava-as. Mas vivia fascinado pelas imagens. Era capaz de se
perder a observar coisas em que mais ninguém repararia – uma folha iluminada
pelo Sol, a textura rugosa de uma parede, uma pequena sombra projectada na
areia. Ficava a olhar durante horas, completamente imóvel, com uma curiosidade
infantil. Nesses momentos, a sua expressão pacificava-se, revestia-se de uma
serenidade que, na maioria do tempo, estava ausente dele.
Chegou a tentar tornar-se pintor. Experimentou
uma data de materiais, técnicas, tintas e abordagens. Dizia que, enquanto fazia
aquilo, estava mais próximo da felicidade do que em qualquer outro momento.
Contudo, as experiências não lhe saíram bem. Faltava-lhe o olho, a firmeza da
mão, a habilidade para deixar que alma se materializasse numa imagem.
Depois, percebeu que escrevia bem. Que era
através da palavra escrita que conseguia alcançar os outros, apesar de não o
fazerem tão feliz como as imagens. Deixou de pintar de um dia para o outro.
Mesmo os seus cadernos, antes cheios de pequenos esboços, passaram a conter
apenas palavras. Já nem um rabisco, nem uma mancha se depositavam no papel. O
meu amigo poeta autoproclamou-se um fracasso enquanto pintor, ou projecto de
pintor, e abdicou daquilo. Desistiu, simplesmente.
Mesmo anos depois, ainda falava sobre isso.
Terminava sempre com um olhar triste e um desanimado encolher de ombros.
“Cada macaco no seu galho”, concluía o meu
amigo poeta.
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