17 setembro 2012

o meu amigo poeta (XVII)



O que o meu amigo poeta queria mesmo era ter sido pintor.

Não é que desgostasse de palavras. Bem pelo contrário, adorava-as. Mas vivia fascinado pelas imagens. Era capaz de se perder a observar coisas em que mais ninguém repararia – uma folha iluminada pelo Sol, a textura rugosa de uma parede, uma pequena sombra projectada na areia. Ficava a olhar durante horas, completamente imóvel, com uma curiosidade infantil. Nesses momentos, a sua expressão pacificava-se, revestia-se de uma serenidade que, na maioria do tempo, estava ausente dele.

Chegou a tentar tornar-se pintor. Experimentou uma data de materiais, técnicas, tintas e abordagens. Dizia que, enquanto fazia aquilo, estava mais próximo da felicidade do que em qualquer outro momento. Contudo, as experiências não lhe saíram bem. Faltava-lhe o olho, a firmeza da mão, a habilidade para deixar que alma se materializasse numa imagem.

Depois, percebeu que escrevia bem. Que era através da palavra escrita que conseguia alcançar os outros, apesar de não o fazerem tão feliz como as imagens. Deixou de pintar de um dia para o outro. Mesmo os seus cadernos, antes cheios de pequenos esboços, passaram a conter apenas palavras. Já nem um rabisco, nem uma mancha se depositavam no papel. O meu amigo poeta autoproclamou-se um fracasso enquanto pintor, ou projecto de pintor, e abdicou daquilo. Desistiu, simplesmente.

Mesmo anos depois, ainda falava sobre isso. Terminava sempre com um olhar triste e um desanimado encolher de ombros.

“Cada macaco no seu galho”, concluía o meu amigo poeta.

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