Normalmente, o meu amigo poeta não se lembrava
dos sonhos. Por vezes, lembrava-se apenas de fragmentos durante os cinco
minutos que se seguiam ao acordar, mas mesmo isso era pouco frequente. Havia
casos ainda mais raros: aqueles sonhos que permaneceriam para sempre vivos na
sua consciência.
“O melhor sonho que alguma vez tive”, disse
uma vez o meu amigo poeta, “foi o das duas loiras platinadas.”
“O quê?”
“Foi no dia em que me fizeram um broche pela
primeira vez. Lembro-me desse sonho como se fosse ontem. Eram duas loiras
iguais à gaja d´A Laranja Mecânica.”
“Qual delas?”
“Aquela que o gajo não consegue comer porque
já está condicionado. Não sei se lembram.”
“Acho que dessa ninguém se esquece”, disse eu
a rir.
“Eu também não me esqueço”, continuou o meu
amigo poeta, “mas o meu sonho ainda foi melhor. Eram duas gajas com cabeleiras
postiças, platinadas, cabelos de um loiro quase branco, brilhante, franjinhas
bonitas a acompanhar a linha dos olhos.”
O meu amigo poeta fez uma pausa. Houve um
protesto:
“E então? Conta lá o resto do sonho!”
“Eram gémeas. Iguaizinhas. Eu estava deitado,
nu. Sentia-me leve, absolutamente descontraído, tomado pelo mais doce dos
torpores. Como se planasse, mas, ao mesmo tempo, estivesse rodeado de
almofadas. As duas gémeas estavam de joelhos à minha frente, só de cuecas.
Sempre que uma me chupava, a outra ficava a olhar para mim, com aqueles seios
breves e perfeitos, aquela pele imaculada, um olhar meigo e meio imbecil.
Depois trocavam. A que estava a sorrir punha-se a chupar e a que estava a
chupar punha-se a sorrir. Eram lindas. Perfeitas. Para mim, aquele momento continua
aquilo que mais se aproxima da definição do prazer. Um prazer puro, completo,
total.”
O meu amigo poeta sorria, distraído. Parou de
falar. As pessoas ao seu redor estavam tensas, embrenhadas no seu relato. O
silêncio durou pouco, porque toda a gente queria mais daquilo.
“Então e depois?”
“Conta lá! Já chega de suspense!”
O meu amigo poeta pôs-se sério subitamente,
com um ar rabugento. Como se tivessem acabado de acordá-lo.
“E depois? O que é que acham que aconteceu
depois, meus cretinos?”
“Sei lá! Conta mas é isso, porra!”
“Aconteceu a mesma merda que acontece sempre.
A mesma merda que acontece todo o santo dia”, respondeu o meu amigo poeta.
“Acordei.”
Toda a gente se riu, menos o meu amigo poeta.
Continuava a desejar nunca ter acordado daquele sonho.
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