13 setembro 2012

o meu amigo poeta (XVI)



Normalmente, o meu amigo poeta não se lembrava dos sonhos. Por vezes, lembrava-se apenas de fragmentos durante os cinco minutos que se seguiam ao acordar, mas mesmo isso era pouco frequente. Havia casos ainda mais raros: aqueles sonhos que permaneceriam para sempre vivos na sua consciência.

“O melhor sonho que alguma vez tive”, disse uma vez o meu amigo poeta, “foi o das duas loiras platinadas.”

“O quê?”

“Foi no dia em que me fizeram um broche pela primeira vez. Lembro-me desse sonho como se fosse ontem. Eram duas loiras iguais à gaja d´A Laranja Mecânica.”

“Qual delas?”

“Aquela que o gajo não consegue comer porque já está condicionado. Não sei se lembram.”

“Acho que dessa ninguém se esquece”, disse eu a rir.

“Eu também não me esqueço”, continuou o meu amigo poeta, “mas o meu sonho ainda foi melhor. Eram duas gajas com cabeleiras postiças, platinadas, cabelos de um loiro quase branco, brilhante, franjinhas bonitas a acompanhar a linha dos olhos.”

O meu amigo poeta fez uma pausa. Houve um protesto:

“E então? Conta lá o resto do sonho!”

“Eram gémeas. Iguaizinhas. Eu estava deitado, nu. Sentia-me leve, absolutamente descontraído, tomado pelo mais doce dos torpores. Como se planasse, mas, ao mesmo tempo, estivesse rodeado de almofadas. As duas gémeas estavam de joelhos à minha frente, só de cuecas. Sempre que uma me chupava, a outra ficava a olhar para mim, com aqueles seios breves e perfeitos, aquela pele imaculada, um olhar meigo e meio imbecil. Depois trocavam. A que estava a sorrir punha-se a chupar e a que estava a chupar punha-se a sorrir. Eram lindas. Perfeitas. Para mim, aquele momento continua aquilo que mais se aproxima da definição do prazer. Um prazer puro, completo, total.”

O meu amigo poeta sorria, distraído. Parou de falar. As pessoas ao seu redor estavam tensas, embrenhadas no seu relato. O silêncio durou pouco, porque toda a gente queria mais daquilo.

“Então e depois?”

“Conta lá! Já chega de suspense!”

O meu amigo poeta pôs-se sério subitamente, com um ar rabugento. Como se tivessem acabado de acordá-lo.

“E depois? O que é que acham que aconteceu depois, meus cretinos?”

“Sei lá! Conta mas é isso, porra!”

“Aconteceu a mesma merda que acontece sempre. A mesma merda que acontece todo o santo dia”, respondeu o meu amigo poeta. “Acordei.”

Toda a gente se riu, menos o meu amigo poeta. Continuava a desejar nunca ter acordado daquele sonho.

Sem comentários:

Enviar um comentário