16 agosto 2012

o meu amigo poeta (VI)


O meu amigo poeta falou-me apenas uma vez, de uma forma genérica, sobre o modo como via a poesia.

“Não é do pensamento que um poeta vive. É do que está por baixo. Não é aquilo que uma voz interior nos martela por dentro da cabeça, mas o conjunto dos lugares de onde ela vem”, disse ele. Parou, limpou os óculos, voltou a colocá-los no rosto. Distraiu-se a brincar com uma migalha de pão que encontrou no tampo da mesa. Depois, enquanto a esfregava entre o indicador e o polegar, continuou:

“Posso dizer-te que todos os meus poemas se reportam a situações que eu mesmo vivi. E posso dizer-te também que ninguém, nem mesmo aquelas pessoas que estiveram lá, a viver aquilo comigo, consegue adivinhar a que situação ou situações se refere cada poema. Mas, de uma forma ou de outra, elas não deixam de perceber e de viver os meus poemas. Porque o que se passou comigo faz parte do que eu vivi, mas o que está por baixo, escondido, à espera de ser colhido, faz parte de todos nós.”

Por momentos, fiquei mesmo interessado naquilo que acabara de ouvir. Achei a reflexão verdadeiramente estimulante. “Às vezes, este gajo até diz umas coisas engraçadas”, pensei eu na altura.

Mas, mal olhei novamente para o meu amigo poeta, apanhei-o a mirar o decote da gaja da mesa ao lado com todo o descaramento. Tinha a boca aberta e os olhos completamente arregalados e olhava para as duas protuberâncias com uma expressão de incredulidade quase infantil. Só lhe faltava babar-se.

Não quero, de modo nenhum, pôr em causa a qualidade do busto da referida senhora. Eram, de facto, duas mamas magníficas. Só quero dizer que, no fim de contas, talvez aquela treta toda de que o meu amigo poeta falara não merecesse tanto interesse quanto isso.

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