O meu amigo poeta falou-me apenas
uma vez, de uma forma genérica, sobre o modo como via a poesia.
“Não é do pensamento que um poeta
vive. É do que está por baixo. Não é aquilo que uma voz interior nos martela
por dentro da cabeça, mas o conjunto dos lugares de onde ela vem”, disse ele.
Parou, limpou os óculos, voltou a colocá-los no rosto. Distraiu-se a brincar
com uma migalha de pão que encontrou no tampo da mesa. Depois, enquanto a
esfregava entre o indicador e o polegar, continuou:
“Posso dizer-te que todos os meus
poemas se reportam a situações que eu mesmo vivi. E posso dizer-te também que
ninguém, nem mesmo aquelas pessoas que estiveram lá, a viver aquilo comigo,
consegue adivinhar a que situação ou situações se refere cada poema. Mas, de
uma forma ou de outra, elas não deixam de perceber e de viver os meus poemas.
Porque o que se passou comigo faz parte do que eu vivi, mas o que está por
baixo, escondido, à espera de ser colhido, faz parte de todos nós.”
Por momentos, fiquei mesmo
interessado naquilo que acabara de ouvir. Achei a reflexão verdadeiramente
estimulante. “Às vezes, este gajo até diz umas coisas engraçadas”, pensei eu na
altura.
Mas, mal olhei novamente para o
meu amigo poeta, apanhei-o a mirar o decote da gaja da mesa ao lado com todo o
descaramento. Tinha a boca aberta e os olhos completamente arregalados e olhava
para as duas protuberâncias com uma expressão de incredulidade quase infantil.
Só lhe faltava babar-se.
Não quero, de modo nenhum, pôr em
causa a qualidade do busto da referida senhora. Eram, de facto, duas mamas
magníficas. Só quero dizer que, no fim de contas, talvez aquela treta toda de
que o meu amigo poeta falara não merecesse tanto interesse quanto isso.
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