20 agosto 2012

o meu amigo poeta (VII)


O meu amigo poeta ganhou sempre a vida com trabalhos de merda. Daqueles ofícios para gente pouco ambiciosa, ou pelo menos assim considerados pelo comum dos mortais.

Houve uma altura, porém, em que conseguiu juntar dinheiro, aos poucos e com muita dedicação. Um dia, decidiu fazer um investimento. Comprou uma dezena e meia de caixotes com volumes de tabaco. Ninguém percebeu aquilo. Nunca vi o meu amigo poeta com um cigarro na boca e presumo que com os outros se passe o mesmo.

Pouco depois, encontrei-o à porta de um tasco. Andava a entregar maços de tabaco aos comensais do sítio, na sua maioria pobres diabos que por ali passavam para esquecer as agruras da sua vida modesta. Em troca, recebia umas quantas moedas, por vezes após alguma discussão. Perguntei-lhe o que andava a fazer. Respondeu-me ele, com o pragmatismo habitual e um encolher de ombros esclarecedor: 

“Contrabando, claro.” 

Andava a vender os volumes de tabaco que comprou há anos.

Depois, explicou-me a operação com mais detalhe. Disse que a revenda do tabaco, por aí, lhe garantia um lucro de duzentos e qualquer coisa por cento sobre o preço de compra original. 

E disse-me também que a poesia verdadeira estava mesmo aí: num mundo como aquele em que vivemos, não se paga a ninguém para escrever poemas. As pessoas pagavam é a quem roubava melhor que os outros. 

“A poesia verdadeira está em subverter esse roubo, direccionando-o para o cumprimento de um fim mais digno”, concluiu ele.

Fiquei a matutar naquilo por alguns momentos. O silêncio deve ter incomodado o meu amigo poeta. Ou então, interpretou-me mal. Pôs-se a andar dali. A meio caminho, contudo, estacou. Voltou-se para trás.

“Qualquer dia, já juntei o suficiente para começar a fumar!”, gritou.

E desapareceu, às gargalhadas, na esquina mais próxima.

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