26 abril 2014

o meu amigo poeta (XXXIII)


Às vezes, quando alguém passa em revista os acontecimentos que antecedem uma relação amorosa, a frase aconteceu naturalmente acaba por vir à baila enquanto se descreve a coisa. Pois bem, esta é uma daquelas frases que não nos servem de nada neste momento. Entre Rita e o meu amigo poeta nada aconteceu naturalmente. E, pensando bem no caso, as coisas não podiam ter ocorrido de outra forma que não fosse a menos natural de todas.

Mal terminámos o peixe, um golpe do acaso livrou-nos do maldito escultor. Alguém lhe mandou um bip (não me perguntem porquê, mas o tipo tinha mesmo um bipper e dava-se com pessoas que também o utilizavam) para lhe dizer que lhe tinham assaltado o atelier. O incidente acabou por livrar-nos também da barbie, que se disponibilizou de imediato a acompanhá-lo, o que não correu tão bem quanto isso, mas o profundo alívio de vermos aquele distinto cavalheiro pelas costas compensava facilmente tudo o resto. Lembro-me perfeitamente do sorriso largo do meu amigo poeta assim que percebeu que a palavra assalto se referia a um espaço que o afectava directamente.

A conversa passou a fluir muito mais livremente. Já não tínhamos de ouvir monólogos intermináveis. As descrições sobre a obra do escultor deram lugar a relatos em que o humor e a boa disposição eram a nota dominante. À medida que os convivas iam bebendo e conversando, reparei que o meu amigo poeta e Rita se fixavam cada vez mais um no outro, até que chegou um momento em que se abstiveram da discussão principal e começaram a falar sozinhos. Não era uma discussão amena. Pelo contrário, sempre que a oportunidade se apresentava, picavam-se um ao outro sem qualquer hesitação. Os termos em que o faziam não eram propriamente pacíficos.

Contudo, tiveram sempre tacto suficiente para que a conversa não azedasse tanto que fosse impossível retroceder para terrenos mais amenos. E, talvez mais importante que tudo o resto, pareciam estar a gostar daquilo.

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