Às vezes, quando
alguém passa em revista os acontecimentos que antecedem uma relação
amorosa, a frase aconteceu
naturalmente acaba por
vir à baila enquanto se descreve a coisa. Pois bem, esta é uma
daquelas frases que não nos servem de nada neste momento. Entre Rita
e o meu amigo poeta nada aconteceu naturalmente. E, pensando bem no
caso, as coisas não podiam ter ocorrido de outra forma que não
fosse a menos natural de todas.
Mal terminámos o
peixe, um golpe do acaso livrou-nos do maldito escultor. Alguém lhe
mandou um bip (não me perguntem porquê, mas o tipo tinha mesmo um
bipper e dava-se com pessoas que também o utilizavam) para lhe dizer
que lhe tinham assaltado o atelier. O incidente acabou por livrar-nos
também da barbie, que se disponibilizou de imediato a acompanhá-lo,
o que não correu tão bem quanto isso, mas o profundo alívio de
vermos aquele distinto cavalheiro pelas costas compensava facilmente
tudo o resto. Lembro-me perfeitamente do sorriso largo do meu amigo
poeta assim que percebeu que a palavra assalto
se referia a um espaço que o afectava directamente.
A conversa passou a
fluir muito mais livremente. Já não tínhamos de ouvir monólogos
intermináveis. As descrições sobre a obra do escultor deram lugar
a relatos em que o humor e a boa disposição eram a nota dominante.
À medida que os convivas iam bebendo e conversando, reparei que o
meu amigo poeta e Rita se fixavam cada vez mais um no outro, até que
chegou um momento em que se abstiveram da discussão principal e
começaram a falar sozinhos. Não era uma discussão amena. Pelo
contrário, sempre que a oportunidade se apresentava, picavam-se um
ao outro sem qualquer hesitação. Os termos em que o faziam não
eram propriamente pacíficos.
Contudo, tiveram
sempre tacto suficiente para que a conversa não azedasse tanto que
fosse impossível retroceder para terrenos mais amenos. E, talvez
mais importante que tudo o resto, pareciam estar a gostar daquilo.
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