Talvez a melhor forma de contar a história de
Rita e o meu amigo poeta seja fazê-lo começando pelo fim.
Não só para que se
perceba que ele até tinha um coração, mas também porque me parece impossível
contá-la de outra forma. As minhas habilidades narrativas, como deve ter-se já
tornado evidente, também têm as suas limitações. Além disso, é difícil
desenvolver um assunto sobre o qual se tem pouco conhecimento, como era o caso
daquele amor. Foi algo que sempre me ultrapassou: como foi possível que uma
relação tão estreita e intensa se gerasse entre aquelas duas criaturas?
Provavelmente, não seria sobre estas questões
que o meu pensamento se debruçava, no momento em que o Mendonça entrou pelo
café adentro. Devia ter percebido imediatamente que se passava qualquer coisa
de anormal, porque ele não trazia consigo o caderno de esboços que transportava
sempre e para todo o lado.
“É pior do que eu temia”, disse ele assim que
se sentou à minha frente, “o nosso amigo poeta está um caco.”
Olhei-o em silêncio, pesando a importância das
suas palavras, enquanto esperava que ele desse continuidade à sua exposição.
“Almocei em casa dele”, prosseguiu o Mendonça,
“e até estava tudo a correr muito bem. Só percebi que o gajo não estava nos
seus dias quando se pôs a lavar a louça mal acabámos de comer.”
“Estás a falar a sério?”, perguntei.
O meu amigo poeta nunca lavava a louça depois
da refeição. Normalmente, era preciso que passassem meses antes que se
dispusesse a dar conta da tarefa. Consequentemente, era muito mais habitual
lavar a louça antes de cozinhar do que depois de comer.
“E o pior nem é isto”, disse o Mendonça. Fez
uma pequena pausa antes de completar:
“Acreditas que o gajo começou a chorar? Assim
sem mais nem menos?”
De facto, era difícil acreditar que aquilo se
tivesse mesmo passado. Ninguém seria capaz de prever que o meu amigo poeta se
iria abaixo daquela maneira.
“Diz que ela lhe faz falta”, completou o
Mendonça.
Sem comentários:
Enviar um comentário