22 novembro 2012

o meu amigo poeta XXX


Talvez a melhor forma de contar a história de Rita e o meu amigo poeta seja fazê-lo começando pelo fim. 

Não só para que se perceba que ele até tinha um coração, mas também porque me parece impossível contá-la de outra forma. As minhas habilidades narrativas, como deve ter-se já tornado evidente, também têm as suas limitações. Além disso, é difícil desenvolver um assunto sobre o qual se tem pouco conhecimento, como era o caso daquele amor. Foi algo que sempre me ultrapassou: como foi possível que uma relação tão estreita e intensa se gerasse entre aquelas duas criaturas?

Provavelmente, não seria sobre estas questões que o meu pensamento se debruçava, no momento em que o Mendonça entrou pelo café adentro. Devia ter percebido imediatamente que se passava qualquer coisa de anormal, porque ele não trazia consigo o caderno de esboços que transportava sempre e para todo o lado.
“É pior do que eu temia”, disse ele assim que se sentou à minha frente, “o nosso amigo poeta está um caco.”

Olhei-o em silêncio, pesando a importância das suas palavras, enquanto esperava que ele desse continuidade à sua exposição.

“Almocei em casa dele”, prosseguiu o Mendonça, “e até estava tudo a correr muito bem. Só percebi que o gajo não estava nos seus dias quando se pôs a lavar a louça mal acabámos de comer.”

“Estás a falar a sério?”, perguntei.

O meu amigo poeta nunca lavava a louça depois da refeição. Normalmente, era preciso que passassem meses antes que se dispusesse a dar conta da tarefa. Consequentemente, era muito mais habitual lavar a louça antes de cozinhar do que depois de comer.

“E o pior nem é isto”, disse o Mendonça. Fez uma pequena pausa antes de completar:

“Acreditas que o gajo começou a chorar? Assim sem mais nem menos?”

De facto, era difícil acreditar que aquilo se tivesse mesmo passado. Ninguém seria capaz de prever que o meu amigo poeta se iria abaixo daquela maneira.

“Diz que ela lhe faz falta”, completou o Mendonça.

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