O meu amigo poeta pensava muitas vezes no seu
próprio funeral. Não é que tivesse grande pressa ou grande medo de morrer, mas
pensava muito no assunto, pensava muito mais naquilo do que uma pessoa normal.
“É uma daquelas coisas que só se fazem uma
vez”, explicava ele. “Mais vale aproveitar para fazer qualquer coisa decente.”
Queria que tudo se passasse ao ar livre.
Queria que as pessoas bebessem e a bebida ficasse por sua conta. E queria
também que se arranjassem umas colunas, de mil e tal watts no mínimo, ligadas
ao seu velho gira-discos, para animar a coisa.
Tencionava o meu amigo poeta que o caixão
entrasse ao som de ballad of a thin man,
de Bob Dylan, seguindo-se na lista as músicas one scotch, one whiskey, one bourbon e sympathy for the devil, momentos que os convidados deveriam
assinalar com um grandioso emborcar colectivo de uma tequilla de penálti. Neste
ponto, chegar-se-ia lume ao caixão, ao som de the immigrant song dos Led Zeppelin.
Tinha pensado a coisa segundo os mesmos
princípios que orientavam a sua escrita: entrar devagar e com algum incómodo,
passar a meio por algo selvagem e terminar a todo o gás: “no fim, tem de ser
sempre a abrir dali para fora!”
Assim que o meu amigo poeta acabou de me dar
conta dos planos para a sua despedida deste mundo, pensei por momentos no que
tinha acabado de ouvir.
“Então é só música americana? Não queres nada
português?”
“Não. Quero um funeral à cowboy.”
“Então e os restos? Onde é que queres que a
gente os meta?”
“Sei lá. Isso importa para alguma coisa? Na
altura estou morto.”
Achei que aquilo não fazia muito sentido, mas
não disse nada. Conhecendo-me a mim e conhecendo-o a ele, sabia que discutir o
assunto não adiantava grande coisa.
A conversa ficou por ali.
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