Desde essa tarde, desde esse primeiro dia do
ano, não foi preciso muito tempo para perceber que eu e o poeta nos tornaríamos
amigos.
Apesar de sermos muito diferentes,
entendíamo-nos.
Essa afinidade tornou-se evidente desde a
tarde passada em casa do Bertinho. Começámos a ver-nos com uma frequência cada
vez maior e, à medida que a relação se estreitava, tornava-se visível que cada
um de nós equilibrava o outro. O meu amigo poeta com a sua natureza excessiva,
excêntrica, impulsiva, e eu, homem tranquilo, ponderado, estável. Ele com a sua
coragem desesperada, eu com a minha tranquilidade dificilmente perturbável. As
palavras que usávamos não eram as mesmas, o que nos entusiasmava não era o
mesmo, os nossos prazeres, ódios e medos eram muito distintos, mas, ainda
assim, compreendíamo-nos de tal forma que o primeiro instinto que cada um de
nós despertava no outro era o de se ser tolerante. Havia uma facilidade na
nossa convivência que compensava todas essas diferenças. E cada um de nós
aceitava a natureza do outro vendo-as como uma dádiva e não um obstáculo.
Foi, por isso, com naturalidade, que se tornou
hábito entre nós trocarmos confidências que não partilhávamos com outras
pessoas. Nunca nos faltava assunto de conversa. Confiávamos um no outro como
não confiávamos em mais ninguém. Tínhamos, por vezes, discussões violentas, mas
nunca houve um diferendo que não pudéssemos ultrapassar. Além de tudo isto,
posso ainda dizer convictamente que, da mesma forma que a minha vida não teria
sido tão rica sem a companhia do meu amigo poeta, a vida dele teria sido bem
mais dura sem a minha companhia.
Simplificando, pode-se dizer apenas que em
muito pouco tempo já éramos grandes amigos. Essa amizade era absoluta e
incondicional. E duraria décadas.
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